A PESQUISA AFRODESCENDENTE E O MOVIMENTO SANKOFA
Por Meryelle Macedo da Silva
“O movimento Sankofa na pesquisa afrodescendente nos conduz também ao reconhecimento dos processos de exclusão social da população negra”
A pesquisa afrodescendente, cunhada pelo intelectual negro Henrique Cunha Junior, nos instiga a olhar sistemematicamente para o espaço geográfico e reconhecer as africanidades que o constituem. Tal olhar é ao mesmo tempo, sistemático e sensível, objetivo e subjetivo, sendo essencialmente um ato político. A compreensão da pesquisa afrodescendente depende do açambarcar das africanidades e da afrodescendência brasileira, enquanto conceitos materializados espacialmente através de corpos-territórios.
Africanidades e afrodescendência nos falam de cultura, a qual constrói uma história sociológica conectada necessariamente a África, a africanidade, então discutida pelo intelectual africano Cheikh Anta Diop. A sistematicidade da pesquisa afrodescendente exige de pesquisadoras/es uma análise efetiva da história e da cultura, as quais se realizam no espaço geográfico, pois como aponta o intelectual negro Milton Santos, não existe relação a-espacial. Desse modo, estamos cotidianamente produzindo as geografias da vida.
Sendo o espaço geográfico historicamente produzido, as africanidades também se inserem nessa lógica. Realizar uma leitura espacial significa compreender como as marcas do passado se configuram no presente, tendo em mente a cultura em sua instabilidade, sendo, portanto, reelaborada.
Ao vislumbrarmos as africanidades em sua historicidade estamos realizando um movimento Sankofa, pelo qual olhamos o passado objetivando a ressignificação do presente. Na prática, tal perspectiva significa a reflexão e a compreensão dos processos afrodiásporicos, singularizados nos lugares. Aqui temos a preponderância de africanas/os e afrodescendentes para a formação da sociedade brasileira, em termos técnicos, econômicos, sociais, políticos, espirituais, os quais são inerentes à cultura.
O movimento Sankofa na pesquisa afrodescendente nos conduz também ao reconhecimento dos processos de exclusão social da população negra, como parte de um projeto estrutural de racialização dos corpos negros, projeto esse, que se atualiza ao longo da história, no intuito de manter as relações de poder, pautadas na ideologia de uma suposta superioridade da branquitude em relação a negras e negros.
A exclusão social é percebida nas segregações socioespaciais. A formação e consolidação dos bairros negros urbanos ocorrem justamente em razão de um vieis eugenista, portanto segregacionista. Agir “sankofarmente” nos permite ressignificar o presente, para que o futuro seja democrático, equânime, equilibrado, feliz. Assim, nossa ideia é visibilizar a população negra, suas problemáticas e sua cultura, com vista a percepção que nossos passos vêm de longe e que assim, o nosso futuro é ancestral.
Importa enfatizar que o movimento Sankofa, próprio da pesquisa afrodescendente, nos propicia refletir sobre nós mesmos. Somos parte da pesquisa. Não nos desapartamos do território que pesquisamos. O nosso corpo é também território. Assim, as descobertas que fazemos em nossos percursos, nos possibilita o reconhecimento da nossa afrodescendência, num processo de continuidade, considerando que a afrodescendência não se encontra apenas no fenótipo, mas na história e na cultura.
A intelectual negra Cicera Nunes refletindo acerca das questões étnico-raciais, aponta que o reconhecimento das africanidades e da afrodescendência nos conduz a um pensar coletivo, a segurar a mão das nossas irmandades para agir na construção de uma sociedade melhor.
Tal reflexão nos permite considerar a pesquisa afrodescendente como propulsora de valores civilizatórios africanos, como coletividade, sociabilidade, comunitarismo e circularidade, valores esses que atuam para redimensionar nossas relações e percepções sobre o mundo através do movimento constante ao passado, dotando o presente de novos significados, pautado na ideia da ancestralidade do futuro.
Texto: Meryelle Macedo da Silva, professora da Educação Básica da Rede educacional do município do Crato-CE, formada em Pedagogia e em Geografia, dotourando pela Universidade Federal do Ceará – UFC e pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais – NEGRER.