COMPREENDENDO AS ORIGENS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NACIONAL
Por PAULO TIAGO OLIVEIRA ALVES
“Quais as raízes da educação física brasileira? De quais fontes ela bebeu?“
Quais as raízes da educação física brasileira? De quais fontes ela bebeu? Início esse texto com essas perguntas, pois ao longo das linhas escritas aqui, me voltarei para buscar respondê-las. Várias correntes teóricas coexistem nessa área do conhecimento hodiernamente, algumas trilhando um caminho por um viés mais progressista, outras com viés mais característico das ciências biológicas etc. Todavia, para compreender o presente, precisamos retomar a história dessa área do conhecimento. Precisamos compreender a história da Educação física brasileira, desde os primeiros passos dados nessa seara do conhecimento e como a mesma foi
gestada. Nos ajudando a compreender a pergunta levantada acima. No cerne, podemos observar que o “modelo” de ginástica, adotado pela educação física aqui, também até então, como sinônimo de ginastica, bebeu muito dos franceses “A introdução da educação física de forma sistemática no Brasil esteve intimamente relacionada à experiência francesa nessa área” (CASTRO, 1997, p.4). E quais ideias mais destacavam-se nesse “modelo”, de acordo com (Moreira e Silva (2018) foram as bases da construção, as quais favoreceram aos interesses eugenistas. Afora o processo pedagógico, faz-se necessário atentar para o fato de que os métodos francês e sueco de ginástica, foram largamente difundidos no Brasil, foram eficazes para difundir os ideais de corpo mecânico e que deve ser disciplinado, controlado. Conforme podemos observar a seguir:
“Em 1931, o ministro Francisco Campos reformou o ensino secundário, tornando obrigatório os exercícios de educação física em todas as classes (decreto nº 19.890, de 18/4) e pouco depois, ignorando os apelos da Associação Brasileira de Educação, mandou adotar as normas e diretrizes do Centro Militar de Educação Física (portaria nº 70, de 30/6), o que implicou, a adoção do Método Francês” (p. 9 CASTRO, 1997).
Na dialética a qual se apresenta à sociedade brasileira, penso que o debate acerca do antirracismo deve estar na centralidade da questão da formação profissional docente, independentemente de qual área da docência estamos nos referindo. Pois, a julgar que para compreender que “[…] a lógica do racismo é inseparável da lógica da constituição da sociedade de classes no Brasil” (MOURA, 2014, p. 219 apud ALMEIDA, 2019, p. 186). Considerando que de forma geral a escola mantém a lógica da ordem social capitalista, desconsiderando que “[…] a humanidade se organiza e se estrutura na e pela diferença” (BENTO, 2011, p. 556).
Vejam, esse processo de silenciamento sobre outras matrizes, cosmovisões na área da educação física, são latentes. Concordamos que o racismo é estrutural e está sendo estruturado e reestruturado ao longo dos séculos, precisamos partir para modificar as estruturas, sejam físicas, sejam de bases teóricas. Logo, se faz imprescindível questionar/criticar abertamente esse tipo de embasamento que vigorou na área, a qual pavimentou os caminhos para a educação física no brasil. De acordo com documentos da imprensa nacional, houve uma ampla disseminação de ideologias fascistas e racistas vinculadas à eugenia e à educação física. Um bom exemplo é encontrado em artigos publicados por Inezil Penna Marinho em 1944, afirmando que “é imperioso que nos convençamos de que cada professor de educação física é um soldado do Brasil, soldado que luta não apenas em tempo de guerra, mas também na paz, soldado que luta sempre, incessantemente, com o fim de tornar o Brasil de nossos filhos e netos mais forte que o dos nossos pais e avós” (Arquivo Gustavo Capanema, FGV/CPDOCGC/g 34.07.14, III-12). Os elementos até aqui apresentados nos dão uma dimensão, como essa área do conhecimento foi permeada sobre um ideal de corpo, haja vista que concordo com a autora (Mattos, 2007) onde ela não deixa dúvidas na sua pesquisa ao afirmar que a história da disciplina Educação Física aponta para um distanciamento do corpo negro, na medida em que o corpo idealizado pela Educação Física partiu de outra fonte. Partindo do ideal corpo grego, branco.
Penso eu, assim como vários outros pesquisadores, mais recentemente que uma das principais tarefas da educação, assim como da educação física é assumir/ edificar uma perspectiva de educação antirracista, prezando para que as distintas áreas do conhecimento, reconheçam a importância da educação para as relações étnico-raciais. Sobretudo num país como o Brasil, o qual foi o último país do ocidente a abolir o regime de escravismo criminoso. Ou seja, não é possível deixar espaço para que haja uma hierarquização dos conhecimentos, a depender de qual povo seja originado. Nós, enquanto sociedade, temos o dever ético de combater ativamente teorias racistas. Para a partir de então desenvolver uma cultura de equidade racial, faz-se necessário que o currículo acadêmico seja fruto de uma equidade epistemológica.
Considero essa uma questão fulcral. Haja vista a importância de reconstruir a estrutura posta, de forma crítica, o que por muito tempo esteve inerte, pelas palavras do poder hegemônico, baseado no eurocentrismo. A educação tem o dever de emergir a história não contada amplamente até agora, para que as populações marginalizadas tenham o direito de serem mais ouvidas, consideradas, reconhecidas. Durante muitos séculos a história e a cultura africana e afrodescendente foram escritas e reescritas pelo olhar do outro, assim, tornando-as, a partir da concepção alheia, história “primitiva” e culturas “selvagens” (MUNANGA; GOMES 2004).
Reconhecer que as matrizes africanas trazem uma imensidão de riquezas, de ritmos, sonoridades, corporeidades, nos desvelam uma cultura riquíssima. Inclusive uma cultura corporal de movimento imensa. E infelizmente, até pouco tempo, não reconhecida pela área da educação física. A educação física brasileira, de certa forma, em grande parte da sua historia foi indiferente às questões étnico-raciais, haja vista que é a partir da década de 2000 que se ampliam as produções nesse campo temático e que o debate acadêmico é impulsionado, inclusive em espaços coletivos de disseminação do conhecimento. Com isso, temas diversos passam a ser demarcados na produção acadêmica da educação física, agregando raça, etnia, identidade, diversidade, religiosidade, corpos e práticas corporais negras, indígenas,
quilombolas, ribeirinhas, entre outros.
Por exemplo, pasmem, pois, após muitos debates, após um coletivo de professores de diversos estados brasileiros encamparem uma jornada, somente em 17 de setembro de 2021 foi aprovado em reunião do colégio brasileiro de ciências do esporte a criação do grupo de trabalho temático Educação Física e relações étnico-raciais (O GTT foi criado em 17 de setembro de 2021 & lt; https://www.cbce.org.br/gtt/gtt13-relacoesetnico-
raciais).
Por fim, gostaria de evidenciar, deixar aqui demarcado que até praticamente “ontem” no lastro da história a base teórico-epistemológica predominante nessa pindorama é de matriz branca e europeia. O debate acerca das relações étnico-raciais ainda é incipiente e assumido por poucos/as pesquisadores/as, o que faz com que esse tema seja ainda pouco disseminado. Como evidencia Carneiro (2005), o epistemícidio alimenta a invisibilidade de uma produção de conhecimento não branca por conta do
racismo institucional e outras formas de racismo vigentes, o que faz com que a academia ignore conhecimentos que se distanciem de padrões eurocêntricos e destitua de relevância saberes desenvolvidos por outros grupos.
Recentemente, os professores e professoras de educação física, em diversas partes do país têm sido impelidos ao debate acerca da cultura corporal do movimento, através da mobilização de diversos pesquisadores, coletivos sociais, vem abrindo a roda da discussão acerca das teorias pós-críticas e sobre o multiculturalismo, aumentando no espaço acadêmico, o debate a respeito do tema. Vou aqui a um exemplo importante, aprendi na graduação sobre jogos e brincadeiras populares, todavia, somente após adentrar o mestrado em educação, percebo como os ditos jogos “populares” eram explanados de maneira geral, de forma rasa, superficial, não explicando as origens étnicas de várias brincadeiras, jogos, difundidos de geração em geração. Os tratando de uma maneira “folclorizada” como se não houvesse raízes, assim diminuindo a sua importância, dentre os diversos tipos de saberes construídos e repassados historicamente. Já as práticas corporais de origem europeia, há, essas já estão presentes aqui bastante tempo. E tive que cursá-las, como disciplinas obrigatórias, ex: o handebol, de origem alemã, o futebol de origem inglesa e suas variações, como o futsal etc. Não menos influente nas graduações vemos a prática do basquete/voleibol vem sendo difundidas a muitas décadas, consolidadas na formação inicial de professore(a)s de educação física. Finalizo esse texto com uma pergunta importante – Qual será a cara da educação física brasileira nos próximos anos? Precisamos expandir nossa consciência, para uma consciência negra.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro: Pólen,
2019.
BENTO, Berenice. Na escola se aprende que a diferença faz a diferença. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 19, n. 2, p. 549-559, maio/ago. 2011.
CARNEIRO, A. S. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. 2005. Tese (Doutorado em Educação) − Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. CASTRO, Celso. In corpore sano: os militares e a introdução da educação física no
Brasil. 1997.
MATTOS, I. G. A negação do corpo negro: representações sobre o corpo no ensino da educação física. 2007. 148 f. Dissertação (Mestrado em Educação e Contemporaneidade) – Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2007.
MARINHO, Inezil Pena. A oportunidade da criação da carreira de técnico de educação
física. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1944.
MOREIRA, Anália de Jesus; SILVA, M. P. C. POSSIBILIDADES DIDÁTICO- METODOLÓGICAS PARA O TRATO COM A LEI NO 10.639/2003 NO ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL. HOLOS, v. 34, n. 1, p. 193-200, 2018. Disponível em: https://www.proquest.com/openview/ba346089be574bb968ab147a24dac486/1?pq-
origsite=gscholar&cbl=1356374 Acesso em 25 jan. 2022.
MUNANGA, K.; GOMES, N. L. Para entender o negro no Brasil de hoje: história, realidades, problemas e caminhos. São Paulo: Global, Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação, 2004. (Coleção Viver, Aprender).
Texto: Paulo Tiago Oliveira Alves